um pouco mais de arte

aqui você encontra meus projetos favoritos, espero que goste!

você nunca mais vai me encontrar

 
fotografia por Bruno Figueredo



Estávamos em Agosto, mas eu já nem contava mais os dias. Na verdade, os dias eram para mim tal como mera formalidade. Eles já não faziam sentido algum, tampouco o que ocorria no intervalo de um dia para outro. E a estação estava cheia. Eu precisava gritar para todos eles que algo aqui estava vazio. Precisava me despir de inutilidades e frivolidades, algumas das quais envolviam velhos sentimentos, coisas estúpidas e dentro delas você por infelicidade fazia morada. Eu tentava encontrar um simples modo de dizer que nunca mais você se encontraria em um texto meu. Que eu também não te encontraria em nenhum texto meu. Que você jamais encontraria a lua tão linda, já que não me teria mais por perto para lhe avisar. 
Lhe avisar que você nunca mais encontraria alguém que te indicaria uma música e te pediria para ouvir de olhos fechados porque você está sempre disperso. Precisava só encontrar um jeito mais fácil de esvaziar, de dizer que você nunca mais vai me encontrar. Eu queria de verdade continuar me perdendo aqui só para te encontrar mais uma vez em algum verso, fotografia ou quem sabe em alguma mancha boba de cerveja na mesa de algum bar vagabundo. Queria mesmo poder arriscar tudo só para ver onde isso vai dar. Queria mesmo. Mas como todo bom clichê da vida, a gente já sabia onde isso ira terminar. Porque a gente já sabia a essa altura que não foi o bastante. Que não foi o suficiente. A gente sabe que não foi avassalador e que não daria para chegar tão longe. Mas eu queria. 
Queria ir pra longe. Longe com você e por você. Queria que a gente encontrasse um novo jeito de pensar a cada esquina dobrada. Queria que isso aqui dentro, que vai se esvaziando aos poucos fosse capaz de resistir. Re-existir. Lembra da sua definição? Queria que você tivesse feito mais por nós. E você poderia ter feito muito mais. É, poderia sim. Mas você só fez as suas malas.   
Você até me ligou uma ou duas vezes dizendo que voltaria. Mas era mais uma daquelas promessas na lista das que não seriam cumpridas. É claro que te poupei do fato que eu te esperei com uma garrafa de whisky na mão e também me poupei do constrangimento de você saber que voltei carregado algumas dezenas de vezes do bar. Mas te contei que aquele garçom gentil estava lá. A nossa mesa favorita com a vista para as montanhas também estava lá. Só faltou você por lá. Depois disso tudo, eu relutei. Relutei tanto, e por tanto tempo. Só a madrugada sabe o que passei enquanto tentava engolir seco todo esse caos. 
Eu costumava dirigir à noite enquanto imaginava onde errei. Repassei toda aquela velha e irritante história sobre como cruzamos o caminho um do outro pela primeira vez, tentei recordar cada detalhe, e esse foi o pior castigo que pude me fazer sofrer. E foi numa dessas andanças pelas ruas fantasmas da cidade que percebi que meu único erro foi continuar a Re-começar esse ciclo vicioso de autopiedade que vivi ao buscar sua sombra todo esse tempo.     Não vou mentir. Você foi a pessoa que chegou com pressa, cheia de promessas. Foi a pessoa que entrou como quem iria ficar, mas no fim das contas se foi bruscamente como alguém que nunca deveria ter chegado. Você saiu como alguém que nunca deveria ter entrado. Você foi a pessoa em que depositei minhas esperanças e anseios, mas foi justamente você a pessoa que deixou faíscas em meus cômodos, e depois, foi quem apagou tudo de uma vez. Você fez questão de me mostrar que no lugar de luz pode haver escuridão e que onde antes havia amor, num piscar de olhos poderia haver sombras. E foi isso que eu fui por um tempo. Uma sombra vazia, borrada e sem forma. Um vulto despercebido em um beco escuro. A sombra. A falta de luz. Um poço fundo, que já não tem mais o que transbordar.
Já faz um tempo que não escrevo nada à você. Mas você me causou muita coisa. E deixou tantas outras coisas também, e não estou falando do seu disco dos Beatles nem daquele seu tênis favorito. Você deixou tanta coisa revirada deixou tanta coisa inacabada, deixou tanta coisa sobrando. Você nos deixou e em seu lugar deixou saudade, sobraram questões que você também deixou. E eu deixei as coisas acontecerem por aqui. Mas, para ser honesto, seria a mentira mais deslavada dizer que isso tudo ainda importa. Caso contrário o peso disso tudo seria nulo. Pois não se escreve cartas ao vento. E se até os mortos merecem suas cartas, aqueles que também se vão, de um jeito ou de outro também precisam de um desfecho. Talvez você espere que eu exija de você uma réplica, um pedido de desculpas ou uma justificativa. Sinto muito, mas preciso dizer mais uma vez que à essa altura isso é desnecessário. Eu realmente sinto lhe dizer, mas você nunca mais vai me encontrar e isso não é mero eufemismo.
Hoje, eu te escrevo pra deixar as coisas mais claras. Para te deixar alguns avisos e pra te dar a ultima noticia que você precisa saber sobre mim mesmo que não queira. Hoje, já não espero mais que você volte. Não espero mais notícias suas e nem fico tão ansioso para o carteiro passar e no fim das contas não me entregar nenhum cartão postal seu. Não espero mais o seu sorriso acompanhado pelas covinhas e nem um aperto de mãos. Agora, estou aqui naquela velha estação. Esperando, mas não por você.
Alguém me trouxe flores. Deixei o inverno sair e a primavera chegar.
Cansei de te esperar.
Você nunca mais vai me encontrar.

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Comentários

  1. ������������ Texto marcado por fortes sentimentos. Acredito que um bom texto é aquele que nos transmite sensações,seja elas quais forem e esse com certeza me causou inúmeros impactos.���� Sucesso!!! No fundo a gente sempre sabe.Eidisara Freitas

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    Respostas
    1. Ahh, <3 Muito obrigado @ancoraquemeleva pelo carinho. Esse texto realmente mostrou-se um pequeno desafio para ser escrito, mas a distância não é empecilho para a poesia. E em parceria com o Bruno, tudo ficou mais legal de se escrever. Valeu mesmo pelo feedback, é sempre bom quando o que fazemos de melhor surte impacto em outras pessoas. É para isso que eu escrevo. Bjs.

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